Adolescência: Realista e necessária || Resenha

Se liga!
A Netflix inicia 2025 com “Adolescência”, uma produção que levanta debates e deixa que nós, tenhamos nossas próprias conclusões
Enredo:
A trama gira em torno de Jamie, um adolescente acusado de assassinar uma colega de escola. O desenvolvimento da narrativa revela os motivos do crime, explorando a perspectiva de diversos personagens e o impacto do ocorrido em suas vidas – desde a polícia e a psicóloga até, naturalmente, a família do garoto.
Realista.
A série tem o potencial de entrar para a história da televisão, não só pela trama envolvente, mas também pela sua narrativa singular. A gravação dos quatro episódios em plano sequência, ou seja, sem cortes, é um feito notável. Embora o teatro utilize essa técnica com frequência em cenas de diálogo que ultrapassam 30 minutos ininterruptos, ver isso em uma série, com episódios de uma hora filmados continuamente, demonstra um perfeccionismo sem igual.
Desde o início, “Adolescência” nos mostra como Jamie é culpado, e então se aprofunda nas motivações por trás de seu ato. Ela traz à tona detalhes que dizem respeito a esfera política, como a cultura incel presente na internet, o bullying nas escolas e o uso descontrolado das redes sociais por adolescentes sem a devida supervisão adulta. Apesar da presença dos pais na educação do garoto, pequenas falhas permitiram que ele trilhasse o caminho que culminou no assassinato da colega.
Divulgação Netflix.
A produção pode soar brutal, mas o conceito de crueldade talvez se aplicasse se a história apelasse para eventos absurdos e irreais. Não é o caso aqui. A série é honesta e fria. O criador e roteirista Stephen Grahen, se inspirou em múltiplos casos semelhantes para construir a narrativa, evitando a exploração sensacionalista de um único evento específico, como frequentemente ocorre em outros meios de comunicação.
A verdade é que a série aborda temas sensíveis sem nunca puxar para um lado politico. Ela não aponta para quem tem culpa. A intenção não é escolher um lado, mas provocar o público a formar suas próprias opiniões, e em nenhum momento os eventos retratados nos quatro episódios parecem impossíveis, pois refletem situações que ocorrem com frequência. O roteiro reconhece essa realidade, assim como nós, e politizar os temas abordados apenas distorce a veracidade que a série busca apresentar.
Elenco e roteiro.
Esses quatro episódios ganhariam vida de forma tão impactante sem a atuação primorosa do elenco. Ainda no início do ano, já temos aqui um exemplo de um conjunto de atores perfeitamente alinhados com um roteiro excepcional. Não seria surpreendente vê-la competir com produções como “Ruptura” na temporada de premiações.
Primeiramente, acompanhamos o núcleo familiar do garoto, onde Owen Cooper, um jovem ator de apenas 13 anos, entrega atuações que rivalizam com as de veteranos. Se destacando no primeiro episódio, durante o interrogatório policial, e no terceiro, em sua sessão de terapia. De alguma forma, ele suporta o peso das câmeras, e mesmo sendo o mais jovem do elenco, brilha entre todos, perdendo em atuação, em minha opinião, apenas para o pai.
Stephen Grahen em “Adolescência”
Stephen Grahen, que também é o criador da série, tem um momento dedicado ao seu personagem, e se já é complexo encarnar uma criança culpada por assassinato, a dor, a melancolia e a impotência de um pai que reconhece a culpa do filho são ainda mais profundas. Em certas nuances, ele evoca a interpretação de Fernanda Torres em “Ainda Estou Aqui”. O personagem carrega um fardo emocional imenso e resiste à explosão, à aceitação de que seu filho é um assassino, à constatação de que a inocência que ele acreditava existir se foi, e que a vida de toda a família está irremediavelmente transformada. Vemos um barril de pólvora que se esforça para não explodir, consciente do sofrimento já causado, e como chefe da família, ele se impõe a não desabar, mantendo-se como uma muralha, mesmo que sua família perceba que essa muralha já ruiu.
“Adolescência” é uma série impecável em seus detalhes, cujo roteiro exige atenção constante do espectador. Mesmo que o foco seja apenas a narrativa, é impossível não se impressionar com a riqueza do universo que a cerca. Ao final da série, torna-se evidente que a gravação em plano sequência só funciona devido ao planejamento e perfeccionismo, que dependem de um roteiro coeso e magnético, e que tudo isso seria em vão sem um elenco profissional e carismático. Todos os elementos aqui convergem, cada detalhe complementa o outro, construindo uma série realista, impactante e envolvente – mais uma joia no catálogo da Netflix.
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Texto por: David Alves